No dicionário da língua portuguesa, paradigma é “exemplo ou padrão a ser seguido”. No circuito do tênis masculino, o modelo é o atleta ser acompanhado nos torneios por um treinador homem. No entanto, a portuguesa Neuza Silva quebrou o paradigma no Challenger 100 de Campinas, que acontece nesta semana nas quadras de saibro da Sociedade Hípica.
Ex-jogadora, Neuza Silva veio ao Brasil como treinadora dos portugueses Jaime Faria, número 147 do ranking da ATP e Henrique Rocha, número 162 do mundo. Neuza foi a única treinadora mulher no torneio.
“Não se vê muitas mulheres treinadoras de homens, é uma coisa rara, mas para mim é igual. A Neuza tem muita sabedoria, me conhece desde os 16 anos e as coisas funcionam muito bem. Ela é muito profissional. Como foi jogadora, ela sabe o que sentimos dentro da quadra, quando viajamos e é uma grande ajuda para a gente”, afirmou Jaime Faria ao DIÁRIO DO TÊNIS.
Neuza Silva faz parte do Centro de Alto Rendimento criado pela Federação Portuguesa de Tênis para potencializar jovens talentos do país. Ela começou a trabalhar com as mulheres, ainda é capitã da equipe feminina na Billie Jean King Cup, mas aos poucos passou a treinar os homens. O sucesso logou apareceu e ela se manteve no tênis masculino.
Jaime, de 21 anos, e Henrique, de 20, trabalham com a treinadora desde os 16 anos e ambos atingiram o melhor ranking nesta temporada.
“Vê-los crescendo e chegar no nível que estão é um orgulho muito grande. O esporte é muito duro, é um trabalhar diário, uma evolução quase diária e o treinador tem de admirar muito o trabalho do jogador e eu admiro muito o trabalho do Jaime e do Henrique”, afirmou Neuza Silva.
A admiração é recíproca.
“A Neuza é muito sensível, sabe de muitos detalhes e consegue passar o que sentiu como jogadora, mas ainda melhor. Ela aprendeu, sabe quando temos de descansar, que torneios devemos disputar. Tecnicamente, ela sabe muito dentro da quadra e isso é muito bom”, destacou Jaime Faria.
Com a experiência de quem está dentro da quadra há mais de 20 anos, a portuguesa não quer ser uma bandeira do feminismo. Para Neuza, a participação no circuito masculino é algo natural e ela garante não sofrer com o machismo.
“Não sinto muito. Eles me respeitam, me sinto bem em torneio masculino. Como eu também fui atleta sei me portar, não crio conflitos, tento estar mais tranquila e isso me ajuda. Nunca liguei muito para isso. A questão é o ser humano, não é ser homem ou mulher. Estou muito feliz de trabalhar com o tênis masculino”, explicou a ex-tenista, que chegou a ser número 133 do mundo em 2009.
A convivência, aliás, tem ajudado no próprio crescimento profissional da técnica.
“Tenho aprendido o lado homem, de ser prático, de ser mais direto, não ligar para meia bagunça. O equilíbrio é saber trabalhar com o ser humano, seja mulher ou homem, é essencial. Acho que encontrei esse equilíbrio, o que ajuda muito no trabalho da equipe”, afirmou Neuza.
A equipe
O Centro de Alto rendimento da Federação Portuguesa de tênis conta atualmente com 12 tenistas, sendo sete homes e cinco mulheres. O grande destaque é Nuno Borges, que entrou para equipe em 2021, após passagem pelo College, e subiu do grupo dos 300 melhores do mundo para a 32ª posição.
“Nos últimos sete, oito anos, a Federação tem feito um investimento brutal. Tem conseguido mais dinheiro para investir e estão aproveitando de uma maneira extraordinária. É todo um processo. Não há milagres, é muito trabalho, com muita gente profissional, de várias áreas, não só treinadores. Também investiram em muitos torneios em Portugal. Hoje posso fazer um calendário de 16 futures, mais oito challengers e um ATP. Hoje em dia um jogador pode passar mais de vinte semanas competindo só em Portugal”, explicou Jaime Faria.
Os jovens atletas portugueses podem se candidatar a uma vaga no Centro de Alto Rendimento a partir dos 14 anos. Se aprovados, eles passam a ter apoio de técnicos, preparadores físicos, fisioterapeutas, psicólogos, nutricionistas e todo o apoio necessário fora das quadras.
“Nós damos todo o apoio que os atletas precisam. Isso dá um grande suporte ao atleta. Ele não tem de estar preocupado em marcar hotel, viagem, quadra de treinos. Tem de estar focado apenas na evolução. Todo o resto nós fazemo”, explica Neuza Silva.
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