Exceção, João Lucas Reis quebra (muitas) barreiras no mundo do tênis

Exceção, João Lucas Reis quebra (muitas) barreiras no mundo do tênis
João Lucas Reis quebra barreiras

Foi por influência do irmão mais velho, Gabriel, que João Lucas Reis, aos quatro anos, começou no tênis. Natural de Recife, ele acompanhava o primeiro ídolo e a família em torneios pela Rota do Sol. Pegou gosto pelo esporte e chorava quando tinha de ir embora do Squash Tenis Center, onde começou a dar as primeiras raquetadas.

Com dez anos, no primeiro Campeonato Brasileiro, João Lucas Reis foi vice-campeão. Começou a se destacar em torneios nacionais e, aos 13 anos, fez uma mudança radical na vida: deixou o nordeste e foi para São Paulo em busca de condições melhores de treinamento.

Começou a treinar no Instituto Tênis, projeto hoje chamado de Rede Tênis Brasil e um dos principais celeiros de grandes tenistas do país. Morava em um alojamento ao lado de outros cinco jovens atletas. Tinha bolsa de estudos em um colégio particular e foi lá que começou a perceber que não teria vida muito fácil. Sofreu bullying, antes mesmo de a palavra fazer parte do nosso vocabulário.

“Estudei em uma escola de elite. Tênis é esporte muito elitizado, com muita gente rica. Eu lembro que pegavam no meu pé por conta do meu sotaque, enchiam meu saco, ficavam brincando pelo jeito que eu falava. Imagina para uma criança de 14 anos estar toda hora vendo gente que não fala igual, e essas pessoas vindo zoar. Foi meio difícil de me adaptar, mas não foi uma coisa que eu levei para mim. Era mais molecagem mesmo, o pessoal era mais novo, não tinha como julgar tanto”, relembra o tenista.

Tênis é um esporte individual e solitário. Na quadra, João Lucas Reis não tinha de se preocupar com o sotaque. Tinha de concentrar no jogo e, com apenas essa preocupação, seguiu crescendo. Com 14 anos, começou a disputar torneios da Cosat (Confederação Sul-Americana de Tênis) e rivalizou com o argentino Sebastian Baez, número 36 do ranking da ATP e atual bicampeão do Rio Open.

Naquele momento, o irmão Gabriel já havia desistido do tênis e os novos ídolos do tenista eram Gael Monfils e Jo-Wilfried Tsonga. Na época, ele não entendia o motivo. Hoje, João Lucas Reis sabe. Eram dois exemplos raros de jogadores com a mesma cor de pele, que se diferenciavam em um circuito majoritariamente formado por tenistas brancos.

“Um moleque de 17 anos não vai saber porque que ele gostava tanto de uma pessoa, mas no subconsciente já era algo – pô, ele parece comigo, por isso que eu gosto dele”, afirmou.

Hoje, com 25 anos, João Lucas Reis segue enfrentando e superando barreiras dentro e fora das quadras. Em dezembro do ano passado, derrotou alguns dos principais tenistas do país, conquistou o título da Procópio Cup, em São Paulo, e garantiu um convite para o quali do Rio Open. Naquele mês, foi parar no New York Times. Não por ter sido campeão dentro das quadras, mas por ter feito uma publicação no instagram revelando a homossexualidade. Ele é o único tenista em atividade assumidamente gay.

O pernambucano é reservado. Sabe da importância do gesto, mas não quer ser uma bandeira do movimento LGBTQIAP+.

“Nunca gostei de chamar a atenção, de gente falando muito de mim e não queria levar esse título de ser ‘o jogador gay´. Eu sou o João, sou um jogador e sou gay, mas não sou só gay. Não quero ter de falar sobre isso o tempo inteiro. Isso é só uma parte da minha vida, não sou eu por inteiro. Eu sou um jogador de tênis e quero ser o melhor jogador que eu posso ser”, explicou.

A publicação foi espontânea, para comemorar o aniversário do namorado, Gui Sampaio. Não doeu. As pessoas mais próximas no circuito já sabiam da orientação sexual do tenista. Quem não o conhecia, em geral, deu muito apoio. João Lucas Reis recebeu diversas mensagens de empatia de amigos e desconhecidos. Dolorido foi quando ele teve coragem de contar para a família, treinadores e amigos, há cinco anos. Naquele momento, ele tirou um peso das costas.

Após o anúncio, mesmo com o destaque até no New York Times, nada mudou na rotina do tenista. A relação com os outros jogadores nos bastidores dos torneios não foi alterada.

“Recebi muita mensagem legal, de gente falando que torce por mim, que quer me ver no topo, mas não mudou muito a minha vida. No tênis a maioria das pessoas já sabia. Eu continuo fazendo as mesmas coisas, batalhando pelas mesmas coisas, acordando às oito da manhã para ir para a quadra e treinar três horas e melhorar meu jogo”, afirmou.

João Lucas Reis já foi número 204 do ranking. Neste momento, ocupa a 307ª posição. Nas últimas semanas, fez quartas de final do Challenger de Santiago e do Challenger de Concepción e chegou nas oitavas de final do Challenger de Campinas nesta semana.

O próximo desafio é buscar uma vaga no quali dos Grand Slams. As primeiras oportunidades serão em Roland Garros, na França, e Wimbledon, na Inglaterra. Para conseguir entrar na chave do quali precisa ficar em torno da 230ª posição no ranking. Em busca de pontos, disputará dois Challengers nos Estados Unidos e dois no Brasil nas próximas semanas.

Para disputar esses torneios, conta com o apoio da Copergás, através de uma lei de incentivo de Pernambuco, e da Track&Field, que o patrocina desde o final do ano passado. Mas ele está longe de ter a vida glamourosa que os torcedores imaginam dos tenistas.

“Quem vive bem no tênis é quem está nos Grand Slams. O resto fica com a corda no pescoço. Tênis é um esporte muito caro, você precisa viajar toda a semana, você compra passagem em cima da hora dependendo de ganhar ou perder os jogos e pega preços muitos caros. Tem muita gente no tênis que joga uma semana e precisa fazer semifinal para ter dinheiro para jogar na próxima semana”, analisou.

Chegar nos Grand Slams não será importante apenas para melhorar a situação financeira de João Lucas Reis. Mesmo não querendo ser a tal bandeira, ele sabe que o seu sucesso pode influenciar muitos outros jovens tenistas, como em algum momento ele foi influenciado por Monfils, Tsonga, e pelo brasileiro Thiago Monteiro, que é nascido no Ceará.

João Lucas sabe que é uma exceção no mundo do tênis.

“Por todas as minorias, eu me considero uma exceção. Eu olho para o lado e não vejo muita gente igual a mim, seja negro, nordestino ou gay. Não é uma coisa que eu busco, mas ficaria muito feliz se as pessoas olhassem para mim e sentirem admiração e orgulho”, completou.

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